segunda-feira, 4 de janeiro de 2010

01 - Chegada



Madrugada, dia oito de dezembro de 2003. Meu avião pousaria em menos de cinco minutos na cidade de Londres... Não posso deixar de mencionar que o aeroporto em que iríamos pousar era a melhor das escolhas para quem quisesse passar despercebido, a final de contas, Heathrow é o aeroportointernacional mais movimentado do mundo, onde muitos vôos de longa distancia aterrissam. A companhia aérea British Airways havia reservado seis aviões só para os passageiros que participariam do “Congresso”... Eles, com certeza não faziam a menor idéia do que era o “Congresso”, e certamente também não sabiam o motivo que levaria alguém á reservar seis aviões grandes somente para as centenas de participantes. Mas, como os organizadores do determinado evento estavam dispostos a pagar o quanto fosse preciso, os presidentes da British Airways aceitaram a oferta sem discutir.

Ao desembarcar do avião, no terminal quatro, pude perceber que alguns dos outros cinco aviões reservados já haviam desembarcado, ou estavam desembarcando, como nós. Foram dez minutos até a entrada do aeroporto, onde havia inúmeros carros que nos levariam até o condomínio do congresso. A viagem de carro até o centro de Londres levaria aproximadamente quarenta minutos, eu estava determinada há passar esses minutos em silêncio, desfrutando da linda paisagem da cidade que eu conhecia de cor. Mas, como era de se esperar, minha paz foi interrompida.

- Jimena... Você não cança de ficar afundada na solidão que você mesma criou, mesmo sabendo que estou aqui disposta a compartilhar assuntos pelo resto da eternidade?

Disse a fina voz de Valentina, soando bastante animada. Tirei os olhos da janela sem um pingo de animação.

- Na verdade, Valentina, não tenho certeza se estou disposta a ouvir os assuntos de que você quer falar.

Minha voz pareceu soar mais fria do que eu esperava.

- Ah... Vamos lá Jimena! – Os grandes olhos azuis dela pareciam tão apelativos. – Vim sentada ao seu lado por que gosto da sua companhia. E gostaria de conversar com você.

Eu sabia que ela estava blefando... Chantagem emocional.

- Tudo bem Valentina... Sobre o que você quer falar?

Os olhos dela pareceram se iluminar de curiosidade.

- Eu gostaria de lhe fazer uma pergunta!

Por que aquilo parecia tão óbvio para mim?

- Vá em frente...

Eu disse, sem medo aparente.

- Por que... Bom, por que você não demonstra o mesmo interesse por Alexander, que ele demonstra por você?

Eu não estava surpresa com essa pergunta. Valentina insistia em tocar nesse assunto há meses.

- Valentina, você ainda não entendeu não é? Ele não me desperta paixão. Eu não consigo ver Alexander como algo mais que um amigo, e você sabe disso.

Desviei meus olhos de Valentina. Ela parecia confusa.

- E isso quer dizer que você não pode ficar com ele por que...

Ela pressionou.

- Porque eu não me imagino acordando ao lado de um homem por quem eu não sou apaixonada!

As palavras saíram sem que eu percebesse que não era obrigada a explicar meus sentimentos. Percebi que minha voz parecia triste de novo.

Valentina me olhava como se eu tivesse dito algo fora do comum.

- Entendi... Agora você acha que precisa estar apaixonada para ficar com alguém?

Na verdade eu sempre achei isso. Olhei nos olhos de Valentina e respondi o que ela queria ouvir.

- Sim, eu acho.

Os olhos dela pareciam irados com a resposta que eu dei.

- Ah, por favor, Jimena!Você nem parece uma Ventrue falando!É por isso que você está sozinha há mais de cento e cinqüenta anos!

Eu realmente gostaria de ter retrucado... Mas tenho que admitir que ela estava certa. Eu não parecia uma Ventrue falando.

- Eu gostaria de não falar mais sobre isso.

Valentina simplesmente assentiu com a cabeça, o que me surpreendeu. Dentro do carro, com Valentina fazendo perguntas e com o silêncio que voltou a reinar entre nós, o tempo passou mais rápido do que eu esperava, afinal, quarenta minutos, pelo menos para alguém como eu que não via nenhuma graça na existência, é muito tempo.

Ao chegar ao condomínio onde ficaríamos por alguns meses, me deparei com rostos que não via há décadas, alguns deles arrogantes, como sempre, outros se esforçavam em dar sorrisos falsos e fingir que estavam desfrutando do momento, estes, em minha opinião, eram os piores.

Estava indo em direção há recepção do local acompanhada por Valentina, ao entrar-mos pela grande porta de madeira escura e bem trabalhada avistamos todo nosso Clã, os Ventrue, interagindo com uma das ‘famílias’, os Toreador, como se fossem amigos de infância... Amigos, eu realmente não diria isso. Nossa madrinha, Úrsula, estava lá, sorridente, enquanto nos esperava seus dentes afiados á mostra – como os de todos os outros indivíduos – e seus cintilantes olhos vermelhos não pareciam perigosos para mim, nem para nenhum dos participantes da nossa misteriosa convenção, afinal, todos nós, assim como ela, éramos filhos da noite.

Valentina e eu fomos até Úrsula, era nossa primeira convenção e precisava-mos de alguém como Úrsula para nos dar algum apoio, ou ficaríamos perdidas.

- Que bom que chegaram meninas. Estava somente esperando por vocês, quero apresentar vocês a outro Clã.

Os olhos de Valentina se iluminaram novamente com a idéia. Ela nunca havia tido contato com outro Clã, eu também não, mas por algum motivo a idéia não me fascinava.

Úrsula nos conduziu até onde estavam os Toreador, que nos receberam com largos sorrisos, eles eram todos incrivelmente pomposos, bom, que vampiro não era assim? Admito que todos nós na verdade tinha-mos um grande censo de moda e éramos todos muito bonitos, todos os Clãs, modéstia parte.
Em meio á todos aqueles apertos de mão e sorrisos falsos eu o vi, lá estava o homem pelo qual eu senti algo que nunca havia sentido antes, e eu admito que não sabia o que estava sentindo, era algo muito novo para mim. Por algum motivo senti um déjavu quando o vi, era como se eu já houvesse tido algum contato com ele, o que era impossível, pelo que eu me lembro, eu nunca havia cruzado com aquele sujeito ao longo da minha eternidade. Ele estava vindo até mim, mas sem o sorriso falso no rosto, aquela figura alta e bela parecia diferente dos outros, parecia não ter as mesmas intenções maldosas e burlescas que os outros tinham, ele vestia um terno armani preto e liso, seus cabelos pretos e sedosos que batiam em seus ombros se mexiam conforme os movimentos dele. Por que eu estava prestando tanta atenção em apenas mais um vampiro que viria me dar boas vindas, por que parecia que de algum jeito, eu tinha alguma conexão com ele?
Ele chegou e parou em minha frente, aqueles segundos observando ele vir, parecia uma eternidade.

Nos encaramos por um segundo, ele apertou minha mão direita com mais firmeza do que precisava.

- Bem vinda à convenção, Jimena.

Como ele sabia meu nome? Por que eu gostaria que ele não soltasse mais minha mão?

Antes que eu pudesse perguntar como ele sabia meu nome, ele me olhou com uma ternura que me calou.

- Meu nome é Theo Wollve, realmente espero que você desfrute do congresso, sei que é sua primeira vez aqui e talvez esteja um pouco perdida... Mas não se preocupe, nós não mordemos.

Ele disse isso seguido de um sorriso, sim, ele estava desfrutando de uma piadinha pessoal, e parecia achar graça em ser irônico. Eu admito que tive que sorrir também, talvez não porque eu realmente tenha achado graça, mas porque por algum motivo eu queria agradar a ele.

- Prazer Theo, me chamo Jimena Solano, e acredite, aproveitarei o máximo que puder a minha primeira vez aqui.

Eu menti, eu não aproveitaria estar lá, eu não estava feliz em estar lá, eu não queria estar lá... Eles todos são um bando de corvos, era engraçado eu pensar isso, afinal, eu era um deles.

- Jimena. – Ele disse meu nome tão calorosamente, que eu gostaria de pedir para ele dizer de novo. –Se precisar de um... De um guia, aqui em Londres, me avise.

Ele disse com ironia de novo... Ele estava começando a me irritar, todos aqui estavam sendo fingidos, eu já estava preparada para isso, mas eu realmente não esperava que além de tudo tivesse que aturar ironia.

- Eu não preciso de um guia... Apesar de nunca ter vindo especificamente para o congresso, eu conheço essa cidade como a palma da minha mão.

- É eu sei disso.

Ele parecia saber de tudo.

- Hummm... Você me cumprimentou pelo meu nome, sem ao menos me conhecer... E sabe que eu conheço Londres, tem algo que não saiba?

Era minha vez de ser irônica.

- Sim, tem... Eu não sei por que você é tão séria.

Eu o encarei por meio minuto, e ele retribuiu o olhar... Eu gostaria de ter uma resposta para dar a ele, mas eu não tinha.
- Foi um prazer conhece-la Jimena. Tenha um bom dia de sono.

Ele disse, com um largo sorriso no rosto, e virou as costas para ir de encontro com seu Clã, sendo que um deles, um homem alto, mas não tão alto quanto Theo, me observava atentamente.

Eu olhei para o grande e antigo relógio que estava ao lado das grandes escadarias, e vi que já eram dez para as seis da manhã. Parecia que a grande recepção havia se esvaziado, e eu nem percebi como aconteceu, parece que os olhos de Theo me distraíram bastante. Olhei em volta e vi que boa parte do meu Clã já não estava mais no local.

- Já foram para seus quartos Jimena.

Olhei para o lado, e de repente lá estava Valentina, me olhando com seus penetrantes olhos.

- Ah.

Foi o que consegui responder.

- Então, quem era o... Bom, você sabe, o Toreador com quem estava falando?

- Theo... Theo Wollve.

Ela me olhou de modo irônico desta vez... Parece que aquele era o dia das ironias.

- E era você que não se interessava em conhecer outros Clãs.

Eu a respondi por obrigação, não estava mais com vontade de responder á suas acusações devaneadas.

- Eu não... E continuo sem interesse. Só falei com ele por educação.

Valentina olhou pelas janelas da sala.

- Hoje será um dia ensolarado, e daqui a pouco irá amanhecer... Melhor achar-mos nossos quartos!

- Espero que as janelas sejam grandes, para que o sol chegue até mim e faça o trabalho que o tempo não fez.

Eu sempre tinha meus ‘momentos depressivos’, como eu gostava de chamar, e o desse dia, acabara de acontecer.

Valentina deu uma risada alta dessa vez, ela sempre ria do meu humor negro.

- Oh... Não seja dramática Jimena, não esqueça que nós temos que subir no alto do Big Ben... Você prometeu! E você não poderá me fazer companhia se estiver virada em cinzas!

- Você sempre usa chantagem emocional para me convencer das coisas não é? Espero que você não faça com que eu use meu poder em você!

Eu sorri com minhas palavras, mas Valentina ficou séria de repente. Sorri ainda mais quando me lembrei do que aconteceu na última vez em que usei meus poderes nela.

- Desculpe por ter feito você beber sangue de rato!

Não consegui me segurar, eu tinha que dizer aquilo, eu nunca irei esquecer a inestimável imagem do rosto chocado dela quando caiu em si.

- Jimena, já fazem mais de quarenta anos! Você ainda tem que me lembrar deste momento degradante?

Ela neste momento estava bravinha, o que é muito engraçado de ver quando vem de alguém tão... Afável quanto ela. Chegamos ao balcão da recepção e pedimos as chaves e a localização dos nossos quartos.

Subimos as escadas em silêncio e andamos por um imenso corredor com grandes lustres de cristal pontiagudos, o teto era branco com relevos vitorianos, as paredes eram de um branco tão limpo que parecia que recém haviam sido pintadas, o carpete que revestia o chão de madeira era azul marinho com pequenos desenhos vitorianos em vermelho. Bom, eles gostavam bastante da arte vitoriana.

Cheguei á porta de meu quarto, que, como todas as portas de lá, era grande, de madeira escura e bem trabalhada.

- Aqui é meu quarto.

Já estava colocando a chave na fechadura, quando Valentina manifestou-se.

- É ao lado do meu!

Valentina disse isso com empolgação visível.

- Espero que não bata na minha porta para me acordar no meio do dia.

Sim, ela tinha mania de fazer isso.

- Pode deixar, não farei isso... Hoje.

Ela me lançou um olhar dizendo que aquilo era um aviso de que eu seria acordada por ela nos dias seguintes.

- Tudo bem... Bom sono Valentina.

- Bom dia Jimena! Nos vemos quando o sol se por!

Como ela conseguia ser tão... Animada? Quando entrei em meu quarto minhas malas já estavam lá. A única coisa que tive vontade de fazer foi me livrar das minhas vestes, vestir minha camisola de seda verde escuro, me deitar na cama, que parecia estar me chamando, e tentar durmir, pelo menos algumas horas. Naquela manhã sonhei com os últimos momentos da minha vida humana, eu não tinha esse sonho desde quando recebi uma estranha carta, que dizia ‘Espere por mim. ’... E isso foi á cinqüenta e seis anos atrás.

Aquilo para mim, na verdade nem era um sonho, era um pesadelo... Por anos agradeci nunca mais ter lembrado dos meus últimos momentos, do meu último suspiro... Por que logo hoje, logo agora que eu estava tentando achar alguma razão na existência, esse pesadelo, que sempre me deixou tão desnorteada, voltou a me afrontar?

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